Tecnologia

A engenheira do Google que colocou a Amazônia no mapa e ajuda a proteger florestas e terras indígenas

Contato de Rebecca Moore com tribo Suruí e com Carlos Souza, do Imazon, levou ao desenvolvimento do Google Earth Engine, que permite monitorar desmatamento com imagens via satélite

Desde o início de sua carreira, Rebecca Moore queria criar impacto, mas não sabia muito bem como. Nascida e criada em Nova York, mudou-se para o Vale do Silício e passou cerca de 10 anos trabalhando numa startup. Depois de voltou para a universidade, na área de bioinformática, achou que seu futuro seria usar ciências da computação e IA aplicada para buscar a cura do câncer. Não esperava, porém, que o ponto de virada teria origem em uma atividade paralela ao trabalho oficial. Foi como consumidora “chata” que ela conseguiu ingressar no time do Google, em 2005.

Moradora da vila de Los Gatos, uma área rural na Califórnia bastante suscetível a intempéries, decidiu testar três ferramentas diferentes para mapear a comunidade de forma virtual. “É uma área desafiadora para se viver. E os mapas podem ser muito úteis, para visualizar nossas estradas, o sistema hídrico e as rotas de evacuação de emergência”, explica.

Desmatamento em terras indígenas provocou emissão de CO2 na Amazônia
Reino Unido anuncia financiamento para projeto de medição de dióxido de carbono na Amazônia
Uma das ferramentas que ela estava testando era da Keyhole, empresa recém-adquirida pelo Google. Rebecca fuçou tanto que descobriu alguns bugs, e mais de uma vez decidiu entrar em contato com a empresa para reportar seus achados. “Finalmente, o Google me escreveu de volta e perguntou: ‘Quem é você e o que está fazendo?’ E eu fiquei muito feliz por eles terem me procurado.”

Não só ela foi até o Google mostrar os bugs que havia encontrado como levou uma apresentação comparando a ferramenta com outras disponíveis no mercado. Ao final, listou 10 mudanças a serem feitas para torná-la a melhor de todas. Seu objetivo era fazer com os mapas o mesmo que a Wikipedia havia feito com a enciclopédia: torná-los acessíveis e editáveis por todos.

Os argumentos de Rebecca foram tão convincentes que ela acabou sendo convidada por Brian McClendon, gerente geral do Google Geo, para se juntar ao time. Era agosto de 2005 e o Google Earth acabava de ser lançado oficialmente. Era o início de uma jornada que já dura quase 18 anos.

“Basicamente, desde aquele momento, eu inventei meu próprio ‘job description’. No time de Geo, eu passei a focar no que chamamos de Geo para o Bem, que aplica os mapas para o benefício público, empoderando milhões de pessoas e milhares de organizações ao redor do mundo, que hoje podem usar essas ferramentas para o bem comum.”

Trocando o arco e flechas pelo laptop
Calma, sorridente, de fala tranquila e boa contadora de histórias, Rebecca arriscou umas poucas palavras em português na entrevista online concedida a Época NEGÓCIOS. Foi em 2007 que começou a sua relação profissional com o Brasil. Naquele ano, ela foi apresentada ao líder indígena Almir Suruí, que visitou o escritório do Google nos EUA.

“Ele foi o primeiro membro de sua tribo a ir para a universidade, em Porto Velho. Foi a um café com acesso a internet e descobriu o Google Earth. Como todo mundo, a primeira coisa que fez foi procurar sua casa, e foi aí que pôde ver pelas imagens de satélite o desmatamento ao redor de todo o seu território”, conta Rebecca.

Diz a lenda que Almir disse a seu pai que havia chegado o momento de trocar o arco e flecha pelo laptop, como uma ferramenta para defender sua terra e comunicar não só os problemas, mas também as soluções.

Mais de 800 milhões de árvores da Amazônia foram derrubadas em 6 anos para produção de carne
Ecologistas lutam contra desmatamento e pobreza na Amazônia
“Fiquei realmente impressionada, porque ele tinha uma ideia bastante sofisticada de como os povos indígenas tradicionais poderiam usar a tecnologia de um jeito apropriado para se fortalecer”, diz a executiva. E mais: “Compreendi que as ameaças que a tribo Suruí estavam enfrentando não eram exclusivas, eram representativas do que estava acontecendo com mais de centenas de comunidades ao redor do mundo.”

Almir propôs uma parceria. “Ele disse: ‘Eu não quero a ajuda do Google. Eu quero propor um acordo. Nós não sabemos muito sobre tecnologia, mas o Google não sabe muito sobre floresta. Podemos ensinar um a outro’”, conta Rebecca. Ele queria colocar os Suruí no mapa, literalmente, com todos os seus conhecimentos geográficos e culturais. “Mostrar onde eles encontram plantas medicinais, onde buscam os três tipos de madeira que usam para fazer arcos, onde caçam, onde pescam”, diz a executiva. “Isso é importante para mostrar às pessoas porque eles precisam de todo aquele território.”

Após algumas visitas ao território Suruí, a equipe do Google ensinou os jovens como tirar fotos e fazer vídeos para coletar histórias dos seus anciões. Depois, aprenderam a fazer o upload desse material para a nuvem. A partir daí, usaram um recurso para transformar planilhas em mapas, e criaram o mapa da comunidade, com quase 300 localidades.

Origem de um novo produto
Na primeira visita aos Suruí, em 2008, Rebecca também conheceu Carlos Souza, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Desse encontro nasceu uma ideia que daria origem ao Google Earth Engine, plataforma de análise geoespacial baseada na nuvem que permite visualizar e analisar imagens de satélite do planeta — usada, por exemplo, para visualizar mudanças na cobertura de vegetação ou nos recursos hídricos em determinada área.

Souza contou à Rebecca as dificuldades que a entidade tinha para proteger a Amazônia, por conta de sua enorme área geográfica. Na sua visão, o uso de imagens de satélite – coletadas todos os dias e processadas de forma rápida e eficiente – tornaria possível criar um sistema de monitoramento virtual de toda a região.

“Ele nos convenceu de que a metodologia existia. Eles sabiam como transformar aqueles pixels em entendimento das mudanças, mas precisavam de mais computadores e potencial de armazenamento”, conta Rebecca. “Demorava semanas para fazer tudo aquilo em um único computador.” Souza acreditava que, usando a capacidade do Google, esse tempo seria drasticamente reduzido. E assim foi feito. Em 2010, a big tech lançou o novo produto para cientistas e ONGs. E, a partir de 2012, o Imazon passou a divulgar alertas mensais de desmatamento e degradação da floresta Amazônica.

Ao todo, Rebecca conta que já esteve sete ou oito vezes no Brasil. A mais recente foi no começo de abril, em Belém, para um evento no qual o Google anunciou a atualização da ferramenta Earth Timelapse, um recurso do Google Earth que passou a contar com imagens de 2020 a 2022. No mesmo dia, ela participou também de um workshop e de uma conversa com líderes indígenas e quilombolas.

Aos 67 anos, ela diz que ainda não está satisfeita. “Eu ainda não alcancei o que queria, não ainda. Acho que estamos no caminho certo, construindo uma tecnologia transformadora e colocando-a nas mãos das instituições certas – sejam comunidades locais, governos ou empresas privadas – para ajudá-las a tomar melhores decisões.”

O que falta, então? Segundo a executiva, atualmente Diretora do Google Earth, Earth Engine e Google Earth Solidário, falta aproveitar a chamada “década da ação” para atingir o atual desafio da humanidade, que é mudar nossa forma de viver e consumir para tentar conter o aquecimento do planeta. “Este é o momento em que precisamos nos mobilizar em todos os setores da sociedade para mudar a forma como vivemos para endereçar a crise climática”, diz. Oxalá!

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo